Cientistas afirmam que Cantareira sofreu uma transição catastrófica

A revista científica PLoS ONE publicou um artigo sobre a crise hídrica em São Paulo escrito por pesquisadores da USP (Paulo Inácio Prado) e da UNESP (Renato Mendes Coutinho e Roberto Kraenkel). O trabalho pode ser baixado do link http://bit.ly/1OcPtMw. É a primeira publicação científica internacional sobre o assunto que usa dados sobre o sistema Cantareira, métodos estatísticos e modelagem matemática para avaliar o que ocorreu. Os autores concluem que o sistema Cantareira sofreu uma transição catastrófica, passando rapidamente de condições normais para um estado de ineficiência. Essa transição ocorreu em janeiro de 2014. Ações que poderiam ter detido a transição deveriam ter sido tomadas antes desta data.

O motor da transição é o que é chamado popularmente de “efeito esponja”. Em situação de normalidade, há muita água no reservatório e na bacia hidrográfica. Boa parte da água da chuva vai para os reservatórios, mantendo o sistema no estado normal. Temos um círculo virtuoso. Já numa situação de seca, o volume do sistema é mais baixo e o solo absorve mais da água que iria para o reservatório, o que faz o seu nível baixar mais ainda. Neste caso, há um círculo vicioso. A passagem do círculo virtuoso ao vicioso é uma transição que acontece em poucos meses. Para evitá-la é preciso monitorar o sistema e retirar menos água quando houver o risco de transição.

Perda de resiliência

Transições críticas não são novidade para cientistas, que as associam ao conceito de resiliência. Intuitivamente, resiliência é a capacidade de um sistema de voltar ao mesmo estado depois de ter sido perturbado. Com a perda da resiliência de um estado, acontece uma transição - um salto para um outro estado. Uma analogia pode ser traçada com o caso de um barco num lago. Normalmente o vento e as ondas não fazem o barco virar. Ele está numa posição resiliente. Todos sabemos, porém, que em condições excepcionais um barco pode virar - e isso acontece de uma forma rápida. O problema é que a posição do barco virado também é resiliente e é necessário um grande esforço para desvirá-lo.

Alguns casos de perda de resiliência na natureza são bem estudados. Um caso bem conhecido é o do processo de desertificação. O trabalho publicado pelos cientistas brasileiros mostra que esta perda de resiliência também pode ocorrer em reservatórios de água, como aconteceu no Cantareira: a perda do estado normal de operações levou-o a um regime de ineficiência. E o custo para sair dele é alto: é necessário retirar o mínimo possível de água, com as consequências que todos conhecemos.

Olhando para o futuro

Os resultados obtidos pelo grupo mostram que o gerenciamento de um reservatório deve levar em conta a possibilidade de transições catastróficas. O padrão anteriormente utilizado – baseado na chamada “curva de aversão ao risco” – indicava uma situação de normalidade até dezembro de 2013, o que o trabalho publicado na PLoS ONE mostra que não era real. Isto quer dizer que é necessário definir novos parâmetros de operação a partir de conhecimentos científicos atuais.

Projeções.

Os métodos desenvolvidos no trabalho são os mesmos usados para fazer projeções sobre a evolução do sistema Cantareira desde abril aqui no site Águas Futuras.

Artigo

Coutinho RM, Kraenkel RA, Prado PI (2015) Catastrophic Regime Shift in Water Reservoirs and São Paulo Water Supply Crisis. PLoS ONE 10(9): e0138278. doi:10.1371/journal.pone.0138278.

http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0138278

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